quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Episódio 3.03 - Bad Day at Black Rock

Podemos dizer, simplesmente, que o pé de coelho é um amuleto "hoodoo". Mas esse termo, que é largamente empregado no seriado, merece uma explicação detalhada.


Não podemos confundir voodoo, que é uma religião de raiz afro, com hoodoo, que é um sistema de magia popular que embora tenha raízes africanas, é americano, tendo influências indígenas e de magia popular européia. A tradição hoodoo coloca grande ênfase no poder pessoal, e sua forma é bastante desligada de teologias: o praticante pode pertencer a uma miríade de religiões diferentes, desde as africanas até o catolicismo.


Como outros sistemas mágicos vernaculares (regionais, populares). são atribuidas propriedades mágicas para ervas, raízes, minerais, partes animais e fluídos corporais. As práticas hoodoo tem características africanas claras de várias nações diferentes, que são refletidas em práticas, como o uso de encruzilhadas ou de detrerminadas substâncias.


Embora existam "hoodoo ladys" e "hoodoo doctors", pessoas que estudam profundamente esses conhecimentos, muita coisa da prática hoodoo está disseminada como conhecimento popular, especialmente nos estados mais ao sul dos EUA.


O hoodoo é uma rica tradição mágica, desenvolvida a partir da mescla de várias culturas e tradições, africanas, nativo americanas, cristãs, judaicas, folclores europeus, tendo uma forte influência dos imigrantes e daquilo que trouxeram de suas culturas originais. Embora possua características marcadamente negras, é praticado por pessoas das mais variadas origens. O início do hoodoo está em algum lugar a sudeste dos EUA, se espalhando até que nos dias de hoje pode ser encontrado em qualquer lugar da América do Norte.


O objetivo primordial dessa prática é permitir que as pessoas comuns tenham acesso a forças sobrenaturais para melhorarem suas vidas cotidianas, em coisas como jogo, amor, cura de doenças, trabalho, proteção, ou mesmo amaldiçoando um inimigo para impedir suas ações. Intrinsecamente, a prática não é boa ou ruim: o uso que fará dela depende de sua própria consciência. Poções, pós, amuletos feitos pelo praticamente, são a base original e rural do hoodoo, mas muitas coisas podem ser compradas feitas (na década de 1940 catálogos já vendiam pés de coelho e outros amuletos), o que podemos comparar aos “artigos religiosos” vendidos em casas comerciais no Brasil (e muitos desses artigos são semelhantes, como perfumes, incensos, objetos para rituais, velas, etc.).


É interessante notar, que no artigo da wikipédia sobre hoodoo, eles consideram que Supernatural é a maior fonte de citações hoodoo na televisão...

E o pé de coelho?

Para começar, não é qualquer pé de coelho que trás boa sorte. Se fosse assim, o coelho não teria perdido o pé (e essa é a desculpa favorita dos que não acreditam nesse amuleto). É preciso seguir uma série de detalhes na preparação do talismã. Em primeiro lugar, o coelho deve ser morto em um cemitério. E apenas a pata esquerda traseira pode ser usada como amuleto.

A maneira como o coelho deve ser morto muda de uma região para outra. Se possível, o animal deve ser morto com um tiro (alguns diriam usando uma bala de prata).


Também varia de uma região para outra se a lua deve ser cheia ou nova. Deve ser uma sexta feira; chuvosa ou ainda sexta feira 13, se possível. O pé deve ser seco e carregado consigo, possivelmente amarrado com uma fita vermelha para aumentar sua eficácia, e comumente é usado numa corrente ou como chaveiro.


O coelho é um animal conhecido por ser uma das formas animais em que as feiticeiras que dominam a arte da mudança de forma costumam se transformar. É um animal ligado a fertilidade, e a sorte que o pé de coelho trás a seu dono é tanto monetária quanto sexual. Existem fontes que acreditam que o uso desse amuleto remonte a totens de clãs africanos. Uma pista importante para o motivo dele trazer sorte é o coelho Br’er, um trickster mítico africano que aparece como figura folclórica nos mitos do sul dos EUA (e que pode ser visto no filme A Canção do Sul, da Disney, de 1946). Faz sentido que o pé de coelho, sendo o símbolo invocatório de um trickster e suas artimanhas (uma das grandes façanhas do coelho é que quando ele corre, suas patas traseiras alcançam o chão mais à frente das patas dianteiras), de sorte predominantemente para trapaceiros, jogadores e artistas, que são os que mais usos dão a esse amuleto


Pés de coelho, assim como ossos de gato preto, são usados em “conjure bags”, bolsas de tecido que contem um feitiço hoodoo (muito semelhante a um patuá, mas em tamanhos mais variados). As que contém pés de coelho estão ligadas a sorte rápida e realização de desejos.


É importante lembrar que perder um pé de coelho trás uma incrível má sorte, da qual é muito difícil escapar e que costuma ser duradoura.


Sobre o feitio do amuleto ocorrer em cemitérios, o hoodoo usa esse espaço e a terra vinda de túmulos para uma variedade de coisas. O pó vindo da sepultura de alguém bom (ou a sepultura como local de ritual) protege contra o mal e é usado em magias de proteção em geral; o pó do túmulo ou o próprio túmulo de um pecador é usado em maldições e outras magias nefastas.


O pé de coelho aparece em muitas cantigas folclóricas e letras de blues, e o presidente Theodore Roosevelt foi proprietário de um pé de coelho inseprável, engastado em ouro, presente de um “hoodoo man”. Na Europa, também aparece essa superstição, mas não encontrei fontes sobre isso.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Episódio 3.02 – The kids are all right

Changelings


Changelings são encontrados em toda a mitologia mundial. Aqui, vou me fizar nas lendas que tem mais conexão com o que vimos no 3.02, ligadas principalmente a Irlanda e as Wales.

Um changeling é um bebê humano que é levado pelas fadas e, em substituição, as é deixado um bebê feérico, ou uma outra coisa, como um troll metamorfoseado, um pedaço de pau ou um boneco de cera, que embora a princípio seja idêntico a criança roubada, com o passar dos dias vai mostrando sua verdadeira personalidade e mudando de aparência.

A primeira coisa que chama atenção é a imensa má sorte que atinge a casa onde o changeling está. Todo o tipo de acidente passa a acontecer, causando estranheza por serem muito graves e incomuns.

Embora sejam mais comuns as trocas de bebês, existem relatos de trocas de crianças e até de adultos. Crianças que sejam muito bonitas, invejadas ou que chamam a atenção são as vítimas preferidas. A ausência do pai, seja porque não está na casa durante parte do tempo ou porque não vive com a criança também facilita a troca: a fada adulta, que é quem faz a troca, se desagrada com a presença paterna.

São vários os sintomas que levam a crer que houve uma troca: os olhos do changeling são mais escuros e maiores, além de parecerem mais velhos e sábios que os da verdadeira criança; com o passar dos dias, a pele do changeling também parece mais amarelada e chega a ficar ressequida como pergaminho. Além disso, o changeling come muito e permanece sempre com fome. Existem relatos em que a criatura comeu tudo que havia na casa e não se satisfez. Ele tende a cometer atos que são reprováveis sem culpa, e são muito possessivos.

Vários são os destinos possíveis para a criança humana seqüestrada, mas o que mais se adequa a essa pesquisa costuma envolver a escravidão da criança pelas fadas que fizeram o seqüestro.

Várias artimanhas são usadas para fazer a criatura mostrar quem realmente é. A mais comum é ir cozinhar a refeição da família usando uma casca de ovo como panela, o que faz a criatura, totalmente surpreendida, mostrar sua verdadeira idade, ao falar coisas como “eu sou mais velho que as árvores e os montes, mas nunca vi uma casca de ovo saciar a fome dos homens”, entre outros truques que fazem a criatura mostrar sua real idade. O fogo é um anátema para eles, sendo mortal, assim como o sal e o aço impedem sua passagem. Embora destruir o changeling ou faze-lo mostrar quem é possa ser a chave para saber o destino da criança roubada, normalmente é preciso resgata-la, sabendo que esse tipo de fada prefere viver em subterrâneos em colinas ou próximo a colinas.

Existem relatos de changelings que não são maus, e casos em que a criança é levada para viver com as fadas como príncipe em uma corte feérica (já que as fadas tem grande dificuldade em ter filhos), e changelings que trazem riqueza a sua família adotiva ao serem bem tratados, além de serem exímios músicos, mas essa é uma outra história...

Episódio 3.01 – The magnificent seven

Os sete pecados capitais ou mortais são aqueles que dão origem a todos os outros, sendo portanto a raiz de toda corrupção. Eles são a oposição das sete virtudes, que são a origem de toda santidade. Existem as sete virtudes opostas, que são a proteção e a cura dos sete pecados, e as Sete Virtudes Cardeais, que são aquelas que todos devem buscar na vida, sendo estas um reaproveitamento do conceito grego.

Teologicamente, o pecado é a culpa perante Deus. São Tomás de Aquino será um entre vários teóricos cristãos que vai se dedicar a falar sobre o tema, que será abordado muitas vezes na história do cristianismo.

A primeira coisa a se pensar sobre os pecados capitais é que eles não são o tipo de peque se comete e se arrepende muitas vezes, como atos isolados, mas são uma atitude estável, que se prolonga ao longo da vida, e são difíceis de se redimir porque para isso é necessário uma mudança na própria raiz da personalidade da pessoa. Assim, é fácil perceber que um determinado pecado vai ser recorrente na vida da pessoa, e visto por ela como um traço natural seu. O pecado vai além da transgressão moral: ele é o rompimento do plano divino, é a arma que os homens dão ao Inferno contra Deus.

O pecado que dá origem aos outros, para Tomás de Aquino, é a Soberba, ou Orgulho. Justamente por esse ser considerado um supra-pecado, acima dos outros, os teólogos, seguindo o proposto por Tomás, preferem colocar na lista dos sete a Vaidade, ou Vanglória, que é o desejo de ser superior, e essa diferença de nomenclatura fica mais clara nas línguas latinas (todo o material original de referência aos sete pecados foi escrito em latim) e um pouco mais vaga no inglês (especialmente para mim, que tenho um inglês funcional mas sem minúcias). A Vaidade leva a obsessão por estar sempre certo, e procurar reconhecimento e elogio de modo doentio. É o pecado que, junto com a Inveja, causa a queda de Lúcifer: ele considera que é mais que o homem, e decide se equiparar a Deus, ou sobrepujá-lo. O vaidoso deseja ser superior sempre, e não mede conseqüências para conseguir isso ou a ilusão da superioridade. A virtude oposta é a da Humildade.

O seguinte na lista é a Inveja. A inveja é a tristeza diante daquilo que o outro possui, e o desejo de destruir o outro e seus bens se não puder tê-los. Quem é tomado por ela nunca valoriza o que tem, e sempre julga que os outros têm coisas que não merecem. A Inveja é o pecado de Caim, e o leva a ser tomado pela Ira, como com freqüência acontece. Sua virtude oposta é a Caridade.

Ao falar da Preguiça, São Tomás usa o termo “acídia”, que tem um sentido mais amplo do que aquele em que usamos Preguiça. É a negação do esforço, o torpor, a inatividade. Está ligada à negligência e a falta de vontade. É um pecado que leva a outro bastante grave, a omissão. A virtude que se opõe a Preguiça é a Diligência.

O próximo (e meu favorito) é a Ira. É a perda do auto domínio levando à violência, é a raiva excessiva e mal direcionada. A Ira é um pecado complicado por sua ambivalência: a ira justa é a força com a qual se combate o mal, um dom divino, e permite atingir bens espirituais difíceis através da força de vontade. Mas o descontrole, o usar a ira contra tudo e qualquer coisa, é um pecado. A Ira é o pecado que leva mais facilmente a destruição física, e está ligado ao lado mais animal do ser humano. Sua virtude opositora é a Paciência.

A Avareza é a falha moral irmã da traição, como no caso de Judas. É a obsessão por juntar bens materiais, o culto ao dinheiro, a ganância. O avarento é egoísta, explorador e desonesto, e vive em função do lucro. Não sente prazer em nada, nem busca evoluir espiritualmente: só o juntar, ter, acumular, sempre mais e mais, satisfazem quem tem o pecado da Avareza. Sua virtude de oposição é a Generosidade.

A Gula, o sexto da lista, é uma deturpação de algo natural, o desejo de comer e beber. Mas o glutão não busca a saciedade, só o prazer de manter a boca cheia e o estômago trabalhando. É uma busca desordenada de prazer. Os vícios estão incluídos no pecado da Gula, sejam o fumo, o álcool, as drogas lícitas ou ilícitas. O desperdício e a embriaguez andam juntos desse pecado. Sua oposição é dada pela Temperança.

E por último, vem a Luxúria, que é a sexualidade levada à inconseqüência, o desejo desordenado, a entrega à carne. A Luxúria é descontrole, e ocupa a mente de quem se entrega a ela das maneiras mais inconvenientes. Se liga a corrupção dos costumes e a todo tipo de pecado sexual. A oposição a ela se dá pela Castidade.

Em 1589, o teólogo alemão Peter Binsfeld designou um demônio e suas hostes para cada pecado capital, de acordo com sua simbologia e representação:

Lúcifer para o Orgulho;

Leviatã para a Inveja;

Belphegor para a Preguiça;

Satã para a Ira;

Mammon para a Avareza;

Belzebu para a Gula;

Asmodeus para a Luxúria.

(por aquilo que vimos no 3.01, eu acredito que os demônios mostrados lá eram Aspectos, demônios das hostes desses 7, poderosos, sim, mas não os grades chefões).

domingo, 14 de outubro de 2007

O que é um bestiário

Um bestiário é um compêndio de criaturas, muito comum nos tempos medievais. Nos bestiários, lado a lado estavam cães, gatos, vacas, unicórnios e dragões. Ao mesmo tempo que as noções biologicas das criaturas eram dadas, também se falava das lições morais e dos sentidos simbólicos deles. Assim, o bestiário era mais que um tratado de história natural, mas carregava todo um contexto antropológico.

Aqui, me dedicarei a estudar a mitologia, folclore, ou como preferirem definir, que aparece no seriado Supernatural. Mais do que as criaturas, tentarei falar dos conceitos envolvidos, e tudo que for relacionado, como informações sobre demonologia ou sabedoria popular que possam aumentar nossa percepção sobre os episódios.

Espero que vocês se tenham tanto prazer em ler estas coisas como eu terei em escreve-las...

bem vindos ao mundo de Supernatural...